Melancolia: A Catástrofe Psíquica e o Superego Punitivo

Luan

Cena do filme "Melancolia" dirigido por Lars Von Trier, lançado em 2011

por Elenice Milani | 04 de Abril de 2025

    O filme Melancolia (2011), de Lars von Trier, não trata apenas do fim do mundo, mas do colapso interno de uma subjetividade. Justine, a protagonista, não teme a destruição iminente; ao contrário, parece encontrá-la como um desfecho esperado. Seu olhar vazio, sua apatia e sua recusa em lutar pela sobrevivência revelam um estado psíquico que Freud descreveu em Luto e Melancolia (1915): uma identificação destrutiva com o objeto perdido e a ação cruel do superego.

Melancolia e o Superego Destrutivo


    Para Freud, a melancolia é marcada por um conflito interno: o ego se identifica com um objeto amado e perdido, mas, ao invés de lamentá-lo, dirige contra si mesmo toda a raiva e frustração que deveriam estar voltadas para esse objeto. Assim, o sujeito melancólico se torna seu próprio agressor, perpetuando uma autodepreciação incessante.
    No filme, Justine se apresenta exatamente dessa forma. Sua tristeza não é apenas um estado emocional, mas um processo de autodestruição. Ela se afasta dos outros, recusa cuidados, se sabota profissionalmente e se entrega a uma apatia profunda. Freud aponta que essa dinâmica está ligada à ação do superego, que se torna excessivamente punitivo.    Enquanto no luto há um sofrimento direcionado à perda, na melancolia o superego acusa o próprio sujeito, repetindo frases de autodesvalorização como um juiz implacável.
    O comportamento de Justine ilustra essa lógica: sua autopercepção é marcada por desprezo e culpa. Ela se sente inadequada, sem valor e incapaz de se conectar com o mundo. Seu superego não permite trégua—ele a destrói lentamente.

O Gozo na Melancolia e o Prazer na Dor


    Outro ponto importante na psicanálise lacaniana é que o melancólico não apenas sofre, mas extrai um certo gozo desse sofrimento. No filme, Justine parece se alimentar da ideia de que o mundo merece acabar. Sua posição não é apenas de vítima, mas de alguém que aceita e até mesmo antecipa o desastre. A frase "a Terra é má", dita por ela, sugere uma visão de mundo onde a destruição é inevitável e, de certo modo, desejada.
    Esse aspecto se relaciona com o conceito de pulsão de morte em Freud (Além do Princípio do Prazer, 1920). A pulsão de morte é um impulso que nos leva à repetição, à autodestruição e, em última instância, à dissolução do próprio eu. Justine, ao invés de resistir ao fim, se entrega a ele, como se finalmente estivesse encontrando um destino que já carregava dentro de si.

Claire e a Neurose: O Medo do Fim


    Se Justine representa a entrega à pulsão de morte, Claire encarna a angústia neurótica diante da catástrofe. Diferente da irmã, ela luta para manter o controle, seguir protocolos e preservar a esperança, mesmo quando tudo aponta para o colapso. Sua angústia extrema reflete o medo do desconhecido e a recusa em aceitar a perda.
Aqui, Freud nos ajuda a entender a diferença entre a neurose e a melancolia. Enquanto o neurótico se angustia tentando controlar o que não pode ser controlado, o melancólico se entrega passivamente ao destino, muitas vezes antecipando sua própria ruína. Claire tenta proteger sua família, busca soluções e luta contra o inevitável, enquanto Justine apenas observa, com um olhar vazio, o desenrolar da tragédia.

O Que a Melancolia Nos Ensina?


    Freud escreveu que "o melancólico dispõe de uma visão mais penetrante da verdade do que outras pessoas que não são melancólicas" (Freud, 1915). Mas essa verdade é dolorosa demais para ser suportada. Justine, ao enxergar a vida como vazia e sem sentido, não encontra razões para lutar. Seu olhar "penetrante" revela o que muitos não querem ver, mas ao custo da própria vitalidade.
    Por outro lado, a neurose de Claire mostra o desespero de quem tenta negar o incontrolável. Freud e Lacan nos ensinam que nem a entrega total ao desespero, nem a tentativa de controle absoluto são caminhos saudáveis. A psicanálise nos convida a refletir: como lidamos com a perda? Como nosso superego nos julga? A melancolia nos faz ver certas verdades, mas é preciso encontrar uma forma de seguir vivendo apesar delas.
    A melancolia, de fato, é uma das formas mais intensas de sofrimento psíquico, descrita por Freud como uma situação em que o superego, alimentado pela pulsão de morte, assume uma posição extremamente punitiva e violenta contra o ego.
    Na melancolia, o superego transforma o ódio direcionado ao objeto perdido em uma autocensura cruel, voltando-se contra o ego com um rigor insuportável. Isso gera sentimentos de desvalorização, culpa extrema e, muitas vezes, o desejo de autodestruição, que pode se manifestar através de pensamentos suicidas ou comportamentos autodestrutivos.
Freud e outros psicanalistas destacam que a pulsão de morte é uma força interna que busca a dissolução e o fim, enquanto Eros, a pulsão de vida, trabalha para unir, preservar e criar.    Para que a pulsão de morte não se manifeste de forma destrutiva, é necessário que ela seja atenuada pela energia libidinal de Eros. Essa integração pode ser alcançada por meio de vínculos afetivos, criatividade, trocas sociais e o cultivo de experiências que promovam a vida.


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