O Nó da Transferência (parte 1)

Elenice Milani



O nó da transferência: uma leitura do conceito de transferência segundo Lacan (Parte 1)
 
Em textos anteriores, publicados aqui no blog, apresentamos os conceitos de "inconsciente" e "repetição". Continuamos neste texto a proposta de acompanharmos a abordagem que Lacan realiza no âmbito do Seminário 11 dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise.

Logo no início do encontro do dia 15 de abril de 1964, Lacan anuncia aos presentes "tratarei hoje da transferência, quer dizer que abordarei sua questão, esperando chegar a lhes dar uma ideia de seu conceito”.

O primeiro movimento de Lacan em direção à conceituação da transferência é de desfazer a “opinião comum”. Segundo ele, a transferência é, comumente, representada como um afeto que pode ser positivo ou negativo.

Em sua versão positiva, a transferência seria o amor, entretanto, a questão da autenticidade deste amor é duvidosa. Ele lembra que Freud “colocou, muito cedo, a questão da autenticidade do amor tal como ele se produz na transferência’ (Lacan, 1985 [1964], p. 119).

Já a transferência negativa não é identificada com o ódio, mas com uma certa “ambivalência”, o que também, segundo Lacan, mascara muitas coisas.

Em sua abordagem da transferência, Lacan procurará situá-la em relação à "presença do analista", assim como fez quando trabalhou com o conceito de inconsciente definido como ‘a soma dos efeitos da fala, sobre um sujeito, nesse nível em que o sujeito se constitui pelos efeitos do significante’. A presença do analista, considerará Lacan,

é ela própria uma manifestação do inconsciente, de modo que quando ela se manifesta hoje em dia em certos encontros, como recusa do inconsciente (...) isso mesmo deve ser integrado no conceito de inconsciente. Vocês têm aí acesso rápido à formulação, que coloquei em primeiro plano, de um movimento do sujeito que só se abre para tornar a se fechar, numa certa pulsação temporal (Lacan, 1985 [1964], p. 121).

A transferência, dirá Lacan, é justamente este “momento do fechamento do inconsciente”. “O que Freud nos indica, desde o primeiro tempo, é que a transferência é essencialmente resistente. (...). A transferência é o meio pelo qual se interrompe a comunicação do inconsciente, pelo qual o inconsciente torna a se fechar’ (Lacan, 1985 [1964], p. 125). Portanto, ao invés de ser passagem de poderes do sujeito ao “grande Outro”, a transferência, é, ao contrário, seu fechamento.

O analista deve suportar esse paradoxo de ter que aguardar a transferência, entendida então como fechamento, para começar a interpretação. A contrário do que pensamos não é ao inconsciente que temos que nos dirigir. "Ele está do lado de fora", afirma Lacan. "É ele que, pela boca do analista, apela à reabertura do postigo"; (Lacan, 1985 [1964], p. 125). É, portanto, ao sujeito "que fecha a porta, a janela, ou o postigo" a quem temos que nos dirigir.

Neste ponto, segundo Lacan, revela-se uma crise conceitual permanente existente na análise, que diz respeito à maneira como deve ser concebida a função da transferência que, como vimos, em relação ao inconsciente é o momento de fechamento. A transferência é um nó, afirma. do qual precisamos dar conta. "Ela é um nó, e nos incita a dar conta dele - o que tenho feito durante vários anos - por considerações de topologia" (Lacan, 1985 [1964], p. 125).

Em breve postaremos no blog a Parte II da abordagem lacaniana da Transferência.

Acompanhem!

Texto por Elenice Milani.

IMAGEM:

Foto : Recorte da tela "Gypsy and Harlequin" de Remedios Varo, 1947
Foto Livro: Foto Reprodução

REFERÊNCIAS 

LACAN, J. O Seminário. Livro 11. Jorge Zahar Ed. Rio. 2edição, 1985.


Elenice Milani

Criadora e escritora do site elenicemilani.com.br, Filósofa, Psicanalista Clínica, criadora e coordenadora do grupo Psicanálise e Literatura.





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