Do que faz furo no Real
“Do que faz furo no Real”
No encerramento do primeiro seminário sobre o sinthome, Lacan, após definir o “nó borromeano”, abordou a questão da “verdade”. No segundo seminário, intitulado, “Do que faz furo no Real”, Lacan, logo de início, retoma esta questão fazendo uma correção a partir da compreensão de que o sujeito é dividido. “Só há verdade na medida em que ela apenas pode ser dita pela metade, tal qual o sujeito que ela comporta. Para exprimi-lo conforme o enunciei, a verdade sé pode se meio-dizer” (Lacan, 2007, p. 31).
Recolocada a questão da “verdade”, Lacan explicita a sua compreensão de linguagem. A linguagem, diz, está ligada a alguma coisa que no real faz furo. “O método de observação não poderia partir da linguagem sem que ela aparecesse como fazendo furo no que pode ser situado como real. É por essa função de furo que a linguagem opera seu domínio sobre o real. (...) Aliás, a linguagem come o real”.
A concepção lacaniana, mais acima explicitada, do sujeito dividido adentrará o terreno da teoria do conhecimento e assim a relação sujeito e objeto do conhecimento. Para Lacan, o objeto não pode ser apreendido por nenhum órgão do sujeito. Apesar de não crer no objeto, ele constata o desejo e a causa objetivada. “O desejo de conhecer encontra obstáculos. Para encarar esse obstáculo, inventei o nó”, de maneira que “é sempre em três suportes, que nesse caso chamaremos de subjetivos, isto é, pessoais, que um quarto vai se apoiar”(Id., op.cit, p.50).
Como vimos no primeiro texto desta série, é a partir de Joyce que Lacan abordará o sinthome que completa o nó do imaginário, do simbólico e do real. Joyce visou por sua arte, de maneira privilegiada, este quarto termo. Lacan então pergunta? Como ele pôde visar por sua arte a restabelecê-lo como tal, a ponto de estar próximo dele? Como uma arte pode substancializar o sinthome em sua consistência, mas também em sua ex-sistência e em seu furo?
A resposta passa pelo savoir-faire. “Que é o savoir-faire? É a arte, o artifício, o que dá à arte da qual se é capaz um valor notável” (Lacan, 2007, p. 59). No caso de Joyce, este saber fazer passa pela escrita e, justamente, para Lacan é pela escrita que entramos no real. Além disso, a escrita, afirma Lacan, tem a ver com a maneira como escrevemos o nó.
A análise, prossegue, é a resposta a um enigma. O sentido resulta de um campo entre o imaginário e o simbólico, conforme observamos no "Esquema RSI" abaixo, onde também no centro encontra-se o pequeno a, a causa do desejo.

Se pensamos que não há Outro do Outro, ou pelo menos que não há gozo desse Outro do Outro, comenta Lacan, é preciso fazer em alguma parte a sutura entre o simbólico que se estende ali, sozinho, e o imaginário. “É uma emenda do imaginário e do saber inconsciente. Tudo isso para um obter um sentido, o que é objeto da resposta do analista ao exposto, pelo analisando, ao longo de seu sintoma”. Ulisses, segundo Lacan, “testemunha que Joyce permanece enraizado em seu pai, ainda que o renegando. E efetivamente isso que é seu sintoma”(Lacan, 2007, p. 68).
Para Lacan, quando fazemos a emenda do imaginário e do simbólicofazemos simultaneamente a emenda do simbólico e do real. O analista, de alguma forma, ensina o analisante a emendar, a fazer emenda entre seu sintoma e o real parasita do gozo. “O que é característico de nossa operação, tornar esse gozo possível, é a mesma coisa que o que escreverei como “j'ouis-sens”. É a mesma coisa que ouvir um sentido” (Lacan, 2007, p. 71).
Sobre essa mesma questão, revelando seu teor ético, Harari comentará que o desígnio dos psicanalistas e sua ética está em acompanhar o analisante para que este possa encontrar seu próprio nó, “com vistas a costurar nele algo novo, enquanto colocação em ato de um artifício” (Harari, 2003, p. 115). Uma nova teoria do fim da análise se anuncia, escreve Harari, qual seja: “conseguir fazer com que um sujeito possa suturar, costurar, descoser. Em síntese: ligar ou desligar algo, religar de outra maneira. De acordo como nosso aforisma, não há des-enlace sem re-enlace; e não há re-enlace, sem des-enlace”.
Lacan, por fim, adverte-nos que é necessário partir da consideração de que Imaginário, Simbólico e Real são instâncias separadas e que não se confundem, muito embora, de fato, a análise opere suturas e emendas. Assim, encontrar um sentido implicar saber qual é o nó, e emendá-lo bem graças a um artifício.
Recolocada a questão da “verdade”, Lacan explicita a sua compreensão de linguagem. A linguagem, diz, está ligada a alguma coisa que no real faz furo. “O método de observação não poderia partir da linguagem sem que ela aparecesse como fazendo furo no que pode ser situado como real. É por essa função de furo que a linguagem opera seu domínio sobre o real. (...) Aliás, a linguagem come o real”.
A concepção lacaniana, mais acima explicitada, do sujeito dividido adentrará o terreno da teoria do conhecimento e assim a relação sujeito e objeto do conhecimento. Para Lacan, o objeto não pode ser apreendido por nenhum órgão do sujeito. Apesar de não crer no objeto, ele constata o desejo e a causa objetivada. “O desejo de conhecer encontra obstáculos. Para encarar esse obstáculo, inventei o nó”, de maneira que “é sempre em três suportes, que nesse caso chamaremos de subjetivos, isto é, pessoais, que um quarto vai se apoiar”(Id., op.cit, p.50).
Como vimos no primeiro texto desta série, é a partir de Joyce que Lacan abordará o sinthome que completa o nó do imaginário, do simbólico e do real. Joyce visou por sua arte, de maneira privilegiada, este quarto termo. Lacan então pergunta? Como ele pôde visar por sua arte a restabelecê-lo como tal, a ponto de estar próximo dele? Como uma arte pode substancializar o sinthome em sua consistência, mas também em sua ex-sistência e em seu furo?
A resposta passa pelo savoir-faire. “Que é o savoir-faire? É a arte, o artifício, o que dá à arte da qual se é capaz um valor notável” (Lacan, 2007, p. 59). No caso de Joyce, este saber fazer passa pela escrita e, justamente, para Lacan é pela escrita que entramos no real. Além disso, a escrita, afirma Lacan, tem a ver com a maneira como escrevemos o nó.
Joyce escreve 0 inglês com refinamentos particulares que fazem com que a língua (no caso, a inglesa) seja por ele desarticulada. Não devemos achar que isso começa em Finnegans Wake. Muito antes, especialmente em Ulisses, ele tem uma forma de picar as frases que já vai nesse sentido. É verdadeiramente um processo exercido no sentido de dar a língua em que ele escreve um outro uso, em todo caso um uso bem distante do comum. Isso faz parte de seu savoir-faire (Lacan, 2007, p. 72)
A análise, prossegue, é a resposta a um enigma. O sentido resulta de um campo entre o imaginário e o simbólico, conforme observamos no "Esquema RSI" abaixo, onde também no centro encontra-se o pequeno a, a causa do desejo.

Se pensamos que não há Outro do Outro, ou pelo menos que não há gozo desse Outro do Outro, comenta Lacan, é preciso fazer em alguma parte a sutura entre o simbólico que se estende ali, sozinho, e o imaginário. “É uma emenda do imaginário e do saber inconsciente. Tudo isso para um obter um sentido, o que é objeto da resposta do analista ao exposto, pelo analisando, ao longo de seu sintoma”. Ulisses, segundo Lacan, “testemunha que Joyce permanece enraizado em seu pai, ainda que o renegando. E efetivamente isso que é seu sintoma”(Lacan, 2007, p. 68).
Para Lacan, quando fazemos a emenda do imaginário e do simbólicofazemos simultaneamente a emenda do simbólico e do real. O analista, de alguma forma, ensina o analisante a emendar, a fazer emenda entre seu sintoma e o real parasita do gozo. “O que é característico de nossa operação, tornar esse gozo possível, é a mesma coisa que o que escreverei como “j'ouis-sens”. É a mesma coisa que ouvir um sentido” (Lacan, 2007, p. 71).
Sobre essa mesma questão, revelando seu teor ético, Harari comentará que o desígnio dos psicanalistas e sua ética está em acompanhar o analisante para que este possa encontrar seu próprio nó, “com vistas a costurar nele algo novo, enquanto colocação em ato de um artifício” (Harari, 2003, p. 115). Uma nova teoria do fim da análise se anuncia, escreve Harari, qual seja: “conseguir fazer com que um sujeito possa suturar, costurar, descoser. Em síntese: ligar ou desligar algo, religar de outra maneira. De acordo como nosso aforisma, não há des-enlace sem re-enlace; e não há re-enlace, sem des-enlace”.
Lacan, por fim, adverte-nos que é necessário partir da consideração de que Imaginário, Simbólico e Real são instâncias separadas e que não se confundem, muito embora, de fato, a análise opere suturas e emendas. Assim, encontrar um sentido implicar saber qual é o nó, e emendá-lo bem graças a um artifício.
Texto por Elenice Milani.
IMAGEM:
Seminário 23
IMAGEM:
Seminário 23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HARARI, R. Como se chama James Joyce? A partir do Seminário Le sinthome de J. Lacan. Salvador e Rio de Janeiro: Ágalma, 2003.
LACAN, J. O Seminário. Livro 23. O Sinthoma [1975-1976]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
LACAN, J. J. “Joyce, o sintoma”: In: _____. Outros escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003. p.560-566.

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