O Desejo Insaciável de Emma Bovary

Luan

 por Elenice Milani | 27 de Janeiro de 2025


        Emma Bovary, protagonista da obra de Gustave Flaubert, é um dos retratos mais complexos do desejo humano na literatura. A partir de uma perspectiva psicanalítica, sua história revela a angústia e a insatisfação que marcam a busca incessante por preencher a falta constitutiva do sujeito.
        No século XIX, período em que a obra é ambientada, a histeria foi central para o desenvolvimento da Psicanálise por Freud. Emma é uma personagem que encarna a histeria feminina, marcada pela oscilação entre o desejo e a impossibilidade de sua realização plena. Sua fragilidade identificatória surge desde jovem, quando não encontra lugar nem no convento nem na vida doméstica.
        Segundo Freud, a histérica reconhece a castração, mas tenta compensá-la, buscando respostas para a questão: "O que é ser mulher?". Emma projeta nos homens a esperança de encontrar essa resposta, mas cada relação a conduz à frustração, pois nenhum deles é capaz de preencher sua falta.
        Emma é movida por um desejo insaciável de "ser outra". Busca transcendência no amor romântico, no adultério e no consumo, mas sempre se depara com a realidade de que o desejo é, por essência, insatisfeito. Sua relação com o consumo e os romances que lê reforçam uma fantasia de completude que nunca se concretiza.
        Jacques Lacan destaca que o desejo humano é sempre desejo do Outro, e Emma exemplifica essa lógica ao delegar seu desejo ao olhar alheio, buscando ser o objeto de desejo de homens que, na verdade, não podem responder às suas expectativas.
        A morte de Emma é simbólica e inevitável. Incapaz de lidar com as consequências de suas escolhas e as dívidas acumuladas, ela recorre ao arsênico como uma tentativa desesperada de retomar o controle. No entanto, o sofrimento físico do envenenamento a confronta com a realidade de sua condição humana, evidenciando a distância entre sua fantasia e o real.
        Segundo a psicanalista Aulagnier, a morte oferece ao sujeito o que ele não sabia demandar: o fim do sofrimento e da insatisfação. Para Emma, a morte é sua última tentativa de realização do desejo, mas pela via do não-desejo.
        Além de ser um estudo profundo do desejo e da subjetividade, Madame Bovary é uma crítica ao senso comum burguês do século XIX. Emma representa uma mulher que desafia as normas sociais, mas paga um preço alto por sua transgressão. Sua tragédia pessoal não altera a rotina provinciana de Yonville, reforçando a crítica de Flaubert à mediocridade da vida burguesa.
        Apesar de ambientada em outro século, a obra permanece atual ao explorar temas como o consumo, a busca por identidade e a insatisfação estrutural do desejo humano. Emma Bovary continua a ser um retrato trágico e fascinante da condição humana, desafiando leitores e estudiosos a refletirem sobre os limites entre o ideal e a realidade, entre o desejo e sua impossibilidade.

Isabelle Huppert como Emma Bovary no filme "Madame Bovary" de 1991, dirigido por Claude Chabrol


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